sexta-feira, 29 de março de 2013

A Palavra de Deus Não Falhará

Tema 09
A Palavra de Deus
Não falhará

José Carlos Ramos
Março de 2013

            Um dos pontos que tornam fascinante o estudo das profecias bíblicas é o seu fiel cumprimento histórico. Tal fato não apenas fascina, mas resulta em fé e na segurança de que o propósito de Deus para com a humanidade segue sendo cumprido e de que logo a presença do pecado e do mal neste mundo será assunto do passado: “Disse-vos agora, antes que aconteça, para que, quando acontecer, vós creiais” (Jo 14:29).
            As profecias já cumpridas são um claro testemunho de que aquelas que ainda não se cumpriram também o serão, pois todas foram anunciada por Deus. No passado, quando os judeus começaram a ter dúvidas quanto à direção de Deus nos assuntos da Terra e ao cumprimento de Seus propósitos, Ele apontou para as profecias cumpridas como evidência de Sua fidelidade, e apelou para que Seu povo não esmorecesse em confiar nEle. Deveriam observar também as coisas que ainda ocorreriam: “Trazei e anunciai-nos as coisas que hão de acontecer; relatai-nos as profecias anteriores, para que atentemos para elas e saibamos se se cumpriram; ou fazei-nos ouvir as coisas futuras... Eis que as primeiras predições já se cumpriram e novas coisas eu vos anuncio; e, antes que sucedam, eu vo-las farei ouvir.” (Isa 41:23; 42:9).

Babilônia, Jóia dos Reinos

            Entre as profecias do Velho Testamento que alcançaram notável cumprimento, estão aquelas que se referem a Babilônia, capital do império que teve esse nome. Era uma das mais importantes cidades da antiga Mesopotâmia e famosa por seus jardins suspensos, uma das 7 maravilhas do mundo antigo.
            A cidade data dos tempos de Ninrode (Gn 10:10) e anos mais tarde, no governo de Hamurabi, já era um poderoso centro administrativo. O auge de sua grandeza foi atingido no tempo de Nabucodonosor, 600 anos antes da era cristã. Ele a transformou numa das mais belas cidades da época, remodelando-a com a construção de diversos edifícios, inclusive o novo palácio de seu governo e residência, ao norte do antigo, e ladeado de terraços, onde, se crê, estavam os jardins suspensos. Nabucodonosor ornamentou a cidade com diversos pórticos, e abriu largas avenidas, que lhe deram um brilho incomparável.
            Banhada pelas águas do rio Eufrates, e suntuosamente construída, ela foi chamada pelo profeta Isaías “a jóia dos reinos” (Is 13:19). Seu conjunto duplo de muralhas, seus portais de bronze, seus jardins, hortas e pastagens mantidos por eficiente sistema de irrigação, mais outros recursos, deram-lhe um senso de segurança e permanência não rivalizadas por nenhum outro grande centro do passado. Em seu orgulho, ela ostentava sua autoconfiança dizendo: “Eu só, e além de mim não há outra; não ficarei viúva, nem conhecerei a perda de filhos” (Is 47:8). Entretanto, exatamente no contexto de sua presunção, a profecia declarou: “Mas ambas estas coisas virão sobre ti num momento e no mesmo dia, perda de filhos e viuvez” (v. 9). Os profetas previram que Babilônia passaria para sempre. Observemos o que foi predito e como tudo se cumpriu.

Tal como Sodoma e Gomorra

            “Babilônia, a jóia dos reinos, glória e orgulho dos caldeus, será como Sodoma e Gomorra, quando Deus as transtornou. Nunca jamais será habitada, ninguém morará nela de geração em geração; o árabe não armará ali a sua tenda, nem tão pouco os pastores farão ali deitar os seus rebanhos. Porém nela as feras do deserto repousarão, e as suas casas se encherão de corujas; ali habitarão as avestruzes, e os sátiros pularão ali. As hienas uivarão nos seus castelos, os chacais nos seus palácios de prazer; está prestes a chegar o seu tempo, e os seus dias não se prolongarão” (Is 13:19-22).
            A derrocada do império babilônico começou em 539 a.C. quando Ciro, rei da Pérsia, invadiu Babilônia. A cidade, todavia, não foi destruída. Xerxes, também da Pérsia, destruiu seus palácios e templos em 480 a.C. Mais tarde Alexandre tentou restaurá-la e transformá-la na capital de seu império, mas morreu antes de concretizar seu intento. A partir daí a cidade foi se tornando cada vez mais desabitada até que por volta do nascimento de Cristo já era um grande montão de ruínas e um canteiro de tijolos.
            Dizem que os beduínos vivem nas proximidades de Babilônia, mas se negam a permanecer nela. Acompanham arqueólogos às ruínas, mas não passam a noite ali. Há entre eles uma crendice de que se alguém dormir nas ruínas se transformará num vampiro. Há algum tempo, Sadan Hussein, governante do Iraque, anunciou um trabalho de restauração em Babilônia, para transformá-la num polo de atração turística; mas veio a morrer sem concretizar seu intento. A profecia, de fato, jamais poderá ser contrariada, pois ela já alcançou o seu cumprimento.

A Queda de Babilônia Cumprida
em Seus Detalhes

            Daniel 5 narra a tomada de Babilônia por Ciro, rei da Pérsia. Este relato, secundado com informações da história secular, demonstra que as profecias que previram a queda da antiga Babilônia foram cumpridas em seus detalhes. Eis alguns deles:

            1. A cidade seria conquistada

                        a. pelos medos - Isa 21:2; Jer 51:11, 28
                               A História identifica o império conquistador de Babilônia como constituído                                             de duas nações: a Média e a Pérsia

                        b. por poderes do norte e do oriente - Isa. 41:2, 25; Jer. 50:3; 51:43
                               Estes povos procederam do norte e do oriente da Palestina, a terra dos                                      judeus.

                        c. por Ciro - Isa 44:28.
                               Isaías, que viveu uns 200 anos antes da queda de Babilônia, previu que o o                                   conquistador se chamaria Ciro. A Bíblia e a História confirmam esse fato.    

            2. Uma noite de prazer transformar-se-ia numa noite de terror - Is 21:4, 5; Jr 51:39, 57. Para se constatar que essa predição foi fielmente cumprida basta uma leitura de Daniel 5. O historiador Xenofonte confirma que estava sendo celebrada uma grande festa em Babilônia quando esta foi conquistada; nela “os babilônicos bebiam e se divertiam a noite inteira.” (On the Instituition of Cyrus, livro VII, cap. V)

            3. O Eufrates teria o volume de água diminuído; o vau do rio seria ocupado - Is 44:27; Jr 50:38; 51:32. Os historiadores clássicos, particularmente Heródoto, relatam que o Eufrates foi desviado do seu curso para que finalmente Babilônia fosse conquistada.

            4. Os portões se abririam para Ciro - Is 45:1. Desviado o Eufrates de seu curso, soldados de Ciro entraram na cidade através do leito seco e abriram os seus portões para a entrada de Ciro.

            5. Mensageiros correriam para anunciar ao rei de Babilônia que esta havia sido invadida - Jr 51:31. Xenofonte relata que soldados de Ciro chegaram até o palácio do rei de Babilônia e encontraram os portões fechados, e guarnecidos com sentinelas que foram, de imediato, mortas. Isso provocou um distúrbio que o rei de Babilônia, dentro do palácio, notou, e mandou averiguar o que estava acontecendo. Com isto os portões do palácio foram abertos, e os invasores penetraram encontrando o rei com sua espada desembainhada, o que indica que havia, momentos antes, sido avisado da invasão.

            6. Os soldados de Babilônia estariam sem condições de lutar. A cidade seria tomada sem guerra - Jr 50:24; 51:30. Esse fato também é confirmado pelos historiadores clássicos. Um documento arqueológico, conhecido como A Crônica de Nabonido, também afirma que Ciro entrou em Babilônia sem batalha alguma.

Conclusão
           
            Não há dúvida que as profecias bíblicas, salvo se dadas condicionalmente, encontram fiel cumprimento. As profecias já cumpridas reforçam esta certeza; a Palavra de Deus não falhará: “Passará o céu e a terra, porém, as minhas palavras não passarão” (Mt 24:35).
            Entre aqueles que almejam o estabelecimento final do Reino de Deus na Terra haverá um constante interesse pelo estudo das profecias acompanhado de uma atenta observação dos acontecimentos do dia a dia, a verem como elas se cumprem e como se aproxima cada vez mais a redenção final. As diferentes situações que caracterizam o complexo panorama atual dos afazeres humanos são vistos pelos estudiosos da Bíblia como claros indícios da proximidade do maior acontecimento de todos os tempos: a volta de Jesus nas nuvens do céu, com poder e grande glória.
            O aumento assustador da violência e da imoralidade, o franco atentado aos mais elementares direitos humanos, o crescente consumo de drogas, a falta de segurança nos pequenos e grandes centros, as tensões internacionais geradoras de desentendimentos e conflitos (em que pesem as propostas de paz), a instabilidade econômica, os crimes ecológicos, os milhões que anualmente perecem de fome e inanição, o surto de enfermidades fatais como a AIDS, o aumento de fenômenos naturais destruidores, como terremotos, secas, inundações, etc., a multiplicidade de problemas sociais aparentemente sem solução, e circunstâncias outras que provocam, junto com as anteriores, um sentimento generalizado de temor e angústia, são tidos como cumprimento de profecias que apontam os nossos dias como os últimos da História.
            Preparemo-nos “porque ainda dentro de pouco tempo Aquele que vem virá, e não tardará” (Hb 10:37).

sexta-feira, 15 de março de 2013

Profecia e História à Luz do Apocalipse


 Tema 08
PROFECIA E HISTÓRIA À LUZ
DO APOCALIPSE
José Carlos Ramos
março de 2013

            O Apocalipse, em harmonia com o teor geral do Novo Testamento, revela que a pessoa de Jesus não pode ser desvinculada de Seu ensino e vice-versa. Há uma unidade entre ambos. Ele profere a Palavra de Deus (1:2) e é a Palavra de Deus (19:13). Ele Se revela na revelação das “coisas que em breve devem acontecer” (1:1), e em resultado, Deus e Seu propósito são revelados.
            Ao percebemos o fato de que o Revelador divino incorpora a revelação e Se revela nela e por ela, estamos aptos para descobrir mais extensamente o significado dos eventos proféticos relatados no Apocalipse. Como Carpenter ressalta, “embora os altos e baixos da História humana estejam incluídos na revelação, esta é a revelação de uma pessoa viva. Não se trata do fluxo descolorido e sem vida de circunstâncias, mas a vida de homens e nações vista à luz dAquele que é a luz de cada homem, e a vida de toda a História; e assim percebemos que somente uma pessoa viva pode ser o Alfa e Ômega, o ponto inicial da criação e seu descanso final. O testemunho de Jesus é o espírito desta profecia e de todas as outras.” (Cit. em R. Tuck, The Preacher’s Complete Homiletic Commentary, 31:411).

Projeção Divina na História

            O Apocalipse confirma que a profecia abarca todo o trato de Deus com o pecado. A mensagem deste livro, em sua formulação e cumprimento, projeta, através de Jesus, a pessoa de Deus e Sua obra. Este fato é observado já nas primeiras linhas. Deus o Pai é referido em 1:4 e 8, e esplende-Se na pessoa de Deus o Filho em 1:5 a 7, e 1:17 e 18. Então, a divina realidade, primeiramente ligada ao Pai, em seguida revelada no Filho, é projetada na mensagem profética em 1:19, e ganha, através dela, nossa própria esfera restrita ao tempo e espaço: “Escreve, pois, as coisas que viste, e as que são, e as que hão de acontecer depois destas.”
            Isso pode ser assim representado:
  
DEUS O PAI
DEUS O FILHO
PROFECIA

1:4                                                1:8

EU SOU
o Alfa
e o Ômega

AQUELE QUE

é
era
há de vir

o Todo Poderoso
  
1:5-7                                                            1:17, 18
                                                                                                                                                              
EU SOU
o Primeiro
e o Último

AQUELE QUE

nos ama                                                           vive
nos libertou                                              esteve morto vem com as nuvens        está vivo para sempre

tem as chaves

1:19

-
-
-

AS COISAS QUE

viste
são
hão de acontecer

-


            Não se apresentam meras abstrações teológicas sobre Deus, divorciadas de qualquer senso da ação divina. É verdade que expressões como Eu sou o Alfa e o Ômega, Eu sou o Deus Todo-Poderoso, Eu sou Aquele que é, que era e que há de vir, etc., denotam a infinita transcendência de Deus. Mas o Deus transcendente, o Deus que está infinitamente acima e além da Criação, é também o Deus imanente, o Deus que se aproxima da Criação, originando-a, preservando-a e redimindo-a.
            Ao dizer que Deus é, era, e há de vir, o Apocalipse evoca o nome pelo qual Deus se identificou a Moisés na sarça ardente – Eu sou o que sou – logo após a promessa de que estaria com ele na difícil tarefa de libertar Israel (Êx 3:12, 14). Com efeito, o inefável nome YAHWEH pressupõe o Deus que escolhe Israel como Seu povo e entra em concerto com ele para que a promessa feita a Abraão seja cumprida. É o Deus que resgata Israel, que o conduz pelo deserto, que o coloca finalmente em Canaã e garante-lhe todas as bênçãos.
            No contexto infinitamente maior do Apocalipse, a expressão ressalta a presença eterna de Deus e Sua atividade restauradora. Esta, iniciada no momento da queda do homem no pecado e desdobrada no curso dos séculos, será concluída com o desaparecimento do último vestígio do mal e o estabelecimento da Nova Terra (Ap 20-22). Daí o emprego da forma verbal é (a eterna presença salvífica), era (o ato salvífico no princípio), e há de vir (o ato salvífico no futuro erradicando o pecado). Deus é Aquele que se aproxima da Criação perdida para trazê-la de volta à sua condição original. Desde que este processo abarca o passado, o presente e o futuro, Ele Se apresenta como sendo o Alfa e o Ômega (a primeira e a última letra do alfabeto grego), e o Deus Todo-Poderoso. Reivindicando Sua soberania absoluta, Ele afirma ter o inteiro curso da História nas mãos, e o conduz rumo ao clímax final quando Seu plano será plenamente cumprido.
            Esta obra divina de restauração é totalmente fundamentada no evento do Calvário e da ressurreição. A encarnação é o clímax da imanência divina, e através dela Deus é revelado. Por esta razão, uma adequada projeção da realidade do Pai é estabelecida (ver o quadro acima), já que a atuação invisível de Deus no curso da História, cumprindo o Seu propósito salvífico, se torna visível agora na manifestação do Filho. A eterna presença de Deus (é) deve ser vista no fato de que Jesus vive e nos ama; Sua atuação salvífica desde que o pecado começou neste mundo (era) deve ser vista no fato de que Jesus morreu (em 13:8 Ele é o Cordeiro “morto desde a fundação do mundo”!) para nos libertar e restaurar; o ato consumativo de Deus, erradicando definitivamente o pecado e estabelecendo o Seu reino (há de vir) deve ser visto no fato de que Jesus vem com as nuvens, clara evidência de que Ele está vivo pelos séculos dos séculos e que é o Rei messiânico; finalmente, Deus como plenamente capaz de cumprir o Seu propósito (o Deus Todo-Poderoso) deve ser visto no fato de Jesus, em virtude de Seu triunfo, trazer nas mãos as chaves da morte e do inferno. Jesus possui estas chaves porque por Sua ressurreição Ele evidenciou o triunfo da cruz sobre a morte. Como ressurreto e glorificado Senhor Ele reivindica ser o Todo Poderoso: “Toda a autoridade Me foi dada no céu e na terra.” (Mt 28:18). Não há como não ser concretizado o Seu propósito.
            Levando-se em conta que essa projeção da pessoa e da obra do Pai na pessoa e na obra do Filho forma o conteúdo da revelação profética, João recebeu a incumbência de relatar as coisas que viste, e as que são, e as que hão de acontecer depois destas. Esta tríplice divisão do material profético deve corresponder, em sua aplicação, à tríplice divisão do tempo durante o qual o plano de Deus é cumprido: passado, presente e futuro. Devemos notar, todavia, que aqui, em harmonia com a perspectiva do escritor, que é exatamente a nossa, uma ordem normal da transcorrência do tempo é estabelecida, enquanto que, no que respeita a Deus, Sua presença eterna ocupa posição de prioridade.

A Centralidade da Cruz

            Temos em Jesus, com especial aplicação à Sua morte, ressurreição e glorificação, a evidência de que, desde a entrada do pecado até sua erradicação, Deus nunca cessa de agir pela salvação do homem. Cada coisa relacionada com o Calvário é fundamental para o plano divino, e este fato está implícito no Apocalipse.
            A figura de Jesus como Cordeiro é predominante no livro. A estrutura do antigo santuário de Israel, cujo ministério se fundamentava num ciclo de sacrifícios que apontavam para a cruz, se faz presente no livro, demarcando os lances da atividade divina de salvação. Ênfase apropriada é dada ao fato de que Jesus é o Cordeiro imolado para a redenção humana. Em 5:5 e 9 é isto que Lhe outorga dignidade e condição de transmitir a revelação. Em outras palavras, a revelação não é somente centralizada na cruz; é dependente dela. Realmente o evento do Calvário impregna todo o curso da salvação.
            O capítulo 12 é o centro da estrutura literária do Apocalipse, sendo os versos 7 a 12 o núcleo do capítulo, isto é, o centro do centro do livro. Os versos 7 a 9 aludem ao combate de Miguel e Seus anjos contra o dragão, isto é, o diabo, e seus anjos, destacando o triunfo de Miguel (o qual, segundo podemos inferir de outros textos bíblicos, identifica a pessoa de Jesus à frente da controvérsia de Deus com Satanás).
            O contexto histórico imediato desta batalha não é, como pareceria à primeira vista, a sequência de eventos no Céu que caracterizaram a rebelião de Lúcifer antes de sua queda, mas compreende o inteiro ministério terrestre de Jesus culminado com Sua morte e ressurreição, quando Seu triunfo foi alcançado e confirmado. Considerando que este triunfo pertence também à Igreja, o verso 11 afirma que os verdadeiros crentes vencem o dragão “pelo sangue do Cordeiro e pela palavra do seu testemunho.” Portanto, em sua estrutura literária a cruz é central no Apocalipse.
            Voltando ao capítulo 1, as palavras “estive morto” (v. 18) nos lembram que a Cruz é um fato histórico consumado. Mas o Apocalipse confirma também que a virtude salvífica da cruz transcende o tempo e o espaço. Jesus é o Cordeiro que foi morto “desde a fundação do mundo” (13:8), tanto quanto o Cordeiro como tendo “sido morto” (5:8). Assim, o passado e o futuro são envolvidos, pela cruz, no eterno presente salvífico de Deus. A ação divina, operando em cada tempo, converge-se para a cruz como centro propulsor, e promana dela para o alcance de seus propósitos.
            A centralidade da Cruz é ainda vista na declaração dos versos 5 e 6 do capítulo 1: Jesus “pelo Seu sangue nos libertou de nossos pecados, e nos constituiu reino e sacerdotes para Seu Deus e Pai.” Os dois verbos empregados aqui, libertar e constituir, visualizam o efeito final do plano da redenção. O primeiro faz alusão ao resgate, o preço pago para libertar o homem do cativeiro do pecado. O segundo é empregado um grande número de vezes no Novo Testamento com diferentes significados. Compreende especialmente a ideia de fazer alguma coisa, criar, cumprir um desígnio, um propósito. Aponta aqui para a restauração daquilo que se perdeu pelo pecado. Libertado do pecado, o homem tem diante de si o caminho para voltar à sua condição original e ser uma nova criatura.
            Não obstante, este efeito final da redenção é visto como tendo sido já alcançado na cruz. De fato, o homem estará para sempre livre do pecado e restaurado plenamente à perfeição edênica somente na consumação final. Durante o milênio, por exemplo, os redimidos serão sacerdotes de Deus e de Cristo, e reinarão com Ele (20:6b). Mas Ele já os tem feito reino e sacerdotes. Tais privilégios futuros são vistos como presentes realidades, pois as formas verbais libertou e constituiu apontam para fatos efetivamente estabelecidos e consumados. Isto é possível porque na transcendência da Cruz a concretização do plano da redenção ocorreu.
            Por esta razão, Jesus Cristo, que penetrou na História quatro mil anos após a queda, pôde afirmar ser “o primeiro e o último” (1:17b), “o Alfa e o Ômega,” “o princípio e o fim” (22:13). A História não tem sentido a não ser pela Cruz. Sem ela não haveria a História. Mas em virtude dela o plano de Deus se torna exequível. Como diz o Dr. Lenski, para o cumprimento deste plano Jesus se posiciona em ambas as extremidades da História “envolvendo, governando, controlando o todo.” (The Interpretation of St. John’s Revelation, 73).

Conclusão

                “A visão cristã da História, que vem de Patmos, é, antes de tudo, a visão de Cristo e de Sua invisível, todavia infalível e irresistível ação na História.” (H. M. Féret, O Apocalipse de São João ― Visão Cristã da História, 62).
            Uma correta abordagem dos livros de Daniel e Apocalipse requer que eles sejam considerados antes de tudo como a revelação de Jesus. A profecia não deve ser estudada com o único objetivo de se constatar o seu cumprimento na História. Mais do que isto deve ser buscado.
Naturalmente, tem o seu lugar de importância a consciência de que tais e tais eventos históricos cumpriram tais e tais previsões proféticas. Mas se tal consciência estiver desvinculada do essencial, daquilo que é decisivo para o desenvolvimento da experiência cristã, será ela de valor efetivo?
Se através do estudo da profecia não se obtém uma visão mais profunda do Filho de Deus e do que Ele significa para o cumprimento do plano divino, visão esta que resulte num aumento de fé, num mais claro discernimento de Jesus e do que Ele significa para nós, pouco benefício, se algum, foi auferido.
            Estudem-se as profecias. Contemplem-se “as coisas que em breve hão de acontecer”. Mas, acima de tudo, contemple-se, nelas e em seu cumprimento, Aquele que as revelou, a ponto de se obter uma visão nova, mais profunda, autêntica e inspiradora de “Jesus Cristo”, o Salvador e Senhor de todos.

terça-feira, 5 de março de 2013

Tema 7

O LIVRO DO Apocalipse
                                                                                                                                                                                                                                                                                 Dr. José Carlos Ramos
março de 2013
                                                                                                                                    

            Apocalipse de João, o título pelo qual o último livro da Bíblia é conhecido, é uma indicação de seu escritor: o apóstolo João. Mas é impróprio quanto à procedência, natureza e propósito de sua mensagem. O termo grego apokálupsis significa revelação, e João não foi o autor dela, mas apenas o instrumento para que a ela chegasse até nós. “O que vês,” foi-lhe dito, “escreve em livro e manda às sete igrejas” (1:11). Tais palavras identificam o escritor como alguém dotado com o dom de profecia e assim suficientemente capaz para receber e comunicar a revelação. Caracterizam também o conteúdo da revelação como essencialmente profético e destacam seu caráter transcendental e divino.
            Nada no livro expressa a simples opinião do escritor. Cada coisa exibe o sinete celestial, mesmo aquelas expressões brotadas do mais íntimo de seu ser, como a oração e bênção conclusivas (22:20, 21). Tudo é de dimensão supra-humana, pois João, a exemplo dos demais profetas, falou “da parte de Deus” movido “pelo Espírito Santo” (2Pd 1:21).
            O Apocalipse é de origem divina como qualquer outra parte da Bíblia, mas apresenta singularmente o trato de Deus com o pecado. Através de sua mensagem podemos divisar a mão de Deus dirigindo o curso da História rumo ao cumprimento completo e final de Seu propósito salvífico. A revelação de solenes eventos no Céu e na Terra, conforme exposta no Apocalipse, retrata o largo escopo da redenção, salientando o triunfo total de Deus no milenar conflito com o mal. Sua mensagem centralizada na cruz alcança seu grande clímax com a completa extirpação do pecado e o estabelecimento final do reino de Cristo na Terra.

De Deus Para Seu Povo

            Certamente as três pessoas da Trindade participaram na formação de toda a Bíblia, mas no que toca ao Apocalipse esse fato é explicitamente declarado. A saudação introdutória, dirigida ao povo de Deus, procede do Pai, identificado como “Aquele que é, que era, e que há de vir”; procede também “dos sete Espíritos que se acham diante do Seu trono,” o que pode ser tomado como uma manifestação do Espírito Santo em Sua plenitude, e “de Jesus Cristo, a fiel testemunha” (1:4, 5). O Pai provê a revelação, o Filho a comunica, e o Espírito Santa capacita o homem a recebê-la e compreendê-la.
            O verso de abertura revela o título correto do Apocalipse e o processo por meio do qual a revelação se tornou efetiva: “Revelação de Jesus Cristo, que Deus Lhe deu para mostrar aos Seus servos as coisas que em breve devem acontecer, e que Ele, enviando por intermédio do Seu anjo, notificou ao Seu servo João.”
            Os elementos que formam esse processo devem ser observados na seguinte ordem:
            Deus - fonte original da revelação. Cada coisa procede dEle.
            Jesus Cristo - o Agente da revelação. Esta é feita por Ele e nEle. Sem Jesus a revelação não é revelação, pois permanece oculta na mente divina.
            Anjo - mensageiro da revelação.
            João - recipiente da revelação e instrumento humano para levá-la aos destinatários.
            Seus servos - a Igreja, o destino final da revelação. A Igreja é assim denominada porque possui o dom de profecia. A palavra “servos” designa os profetas (Am 3:7), a exemplo de João, o escritor (Ap 10:7; 11:18). Todavia, a Igreja não deve guardar a revelação para si, mas estendê-la ao mundo (10:11; 22:17).
            O Espírito Santo não é explicitamente mencionado aqui, mas Sua atuação no processo é fora de questão. O transe profético que sobrevem a João (1:10; 4:1, 2; 17:3; 21:10) é obra do Ser divino. Além disso, o Espírito Santo contribui de Si mesmo com particularidades da própria revelação (2:7, 11, 17, 29; 3:6, 13, 22; 14:13; 22:17).

Revelação de Jesus

             O Apocalipse declara-se como “a revelação de Jesus”, pois Cristo é o meio da Verdade ser revelada ao mundo. Desde o princípio é Ele o mediador entre Deus, Aquele “que habita na luz inascessível” (1Tm 6:16) e a inteira criação. O escritor do Apocalipse entendeu esse fato e aplicou a Jesus o termo grego logos, verbo, palavra (Jo 1:1, 14; 1Jo 1:1; Ap 19:13) significando que Ele é a expressão e a concretização do pensamento de Deus. Portanto, o propósito divino, “desde os séculos oculto em Deus” (Ef 3:9), foi manifestado em Jesus e por Jesus, e se tornou uma “revelação de Jesus”. Jesus Cristo é a ponte que cobre a lacuna entre Deus e a Criação. Ele é, sem dúvida, o único caminho a Deus (Jo 14:6), e é também o único caminho para que o conhecimento de Deus e de Seu propósito possam nos alcançar (1:18).
            Assim as palavras “revelação de Jesus” são mais que o título do último livro da Bíblia. Elas condensam o conteúdo e o sentido essencial de sua mensagem, e apontam para Jesus como Aquele que revela e é revelado. Autoridades bíblicas em geral concordam que esta expressão contém um sentido subjetivo e também objetivo, isto é, Jesus é o sujeito tanto quanto o objeto da revelação. Para muitos o 1º sentido é preferível, considerando que o v. 1 expõe o tema da revelação: “as coisas que em breve devem acontecer.” Parece, todavia, que, em vista do contexto mais amplo do Apocalipse e de todo o Novo Testamento, ambos os sentidos poderiam ter sido pretendidos. Diz o Dr. Ford: “porque este testemunho tem a ver com o futuro visto através da lente do primeiro advento e da cruz, é também uma revelação sobre Jesus.” (Crisis, vol. 2, pág. 238).
            Esta realidade do Cristo tanto revelador como revelado emerge quando uma apreciação geral do livro é feita. Três pontos principais devem ser notados:
            1. Antes que coisas sejam reveladas, o profeta desfruta uma percepção da pessoa do Revelador. Isto pode ser notado da seguinte forma:

ESQUEMA PROFÉTICO
A REVELAÇÃO DE JESUS         
Jesus Revelado     Coisas Reveladas
OBSERVAÇÕES
1. As 7 igrejas (l:9-3:22)
O Filho do Homem (1:9-20)
Mensagem às 7 igrejas (2:1-3:22)
Esta visão inicial da pessoa de Jesus introduz todo o livro e não só as 7 igrejas.
2. Os 7 selos (4:1-8:2)
O trono e o Cordeiro (caps. 4, 5)
Eventos na abertura de cada selo (6:1-8:2)
Embora no cap. 4 a figura central é Deus o Pai, o quadro se completa no cap. 5 com a visão do Cordeiro ao centro do trono divino.
3. As 7 trombetas (8:2-11:19)
O Anjo intercessor (8:3-5)
Eventos ao toque de cada trombeta (8:7-11:19)
Esse Anjo é Cristo, o único mediador entre Deus e os homens (I Tim 2:5). Ocorre outra visão de Jesus no interlúdio da 6ª para a 7ª trombeta (cap. 10).
4. Os oponentes de Deus: o dragão, a 1ª besta, e a 2ª besta (12:1-13:18)
A encarnação, e o triunfo de Jesus (12:1-12)
Operações satânicas (12:13-13:18)
Cap. 12 é o centro do  livro. Não é por acaso que a encarnação seja referida aqui pois a cruz é central na profecia.
5. Os 144 mil e as  mensagens dos 3 anjos  (14:1-13)
O Cordeiro com os 144 mil no monte Sião (14:1-5)
A última mensagem de advertência bem como de misericórdia é dada ao mundo.
A presença do Cordeiro com este grupo é significativa. Ademais, o que é dito sobre eles é verdade, antes de tudo, sobre Cristo mesmo.
6. Eventos finais com ênfase no julgamento contra Babilônia (14:14 -19:10)
Coroado e pronto para ceifar, o Filho do Homem aparece numa nuvem
A ira de Deus é derramada e Babilônia é condenada. Ecoa o regozijo no céu (14:17- 19:10)
Esta não é apenas uma simples cena da 2ª vinda de Jesus. O quadro conclui as  mensagens dos 3 anjos e introduz as cenas seguintes.
7. A consumação escatológica e a restauração de todas as coisas (19:11-22:5)
A 2ª vinda: o cavaleiro sobre o cavalo branco se chama Fiel e Verdadeiro,  Palavra de Deus, Rei dos Reis, e Senhor dos senhores (19:11-16)
A ceia das aves, o milênio, a extirpação do mal, a Nova Jerusalém e a Nova Terra (19:17-22:5)
A 2ª vinda de Jesus introduz o fim, que por sua vez abre caminho para a criação dos Novos Céus e da Nova Terra, o quadro final do Apocalipse.


            2. Cristo é o personagem central de todas as coisas reveladas. “Visível ou invisível, Ele está no centro de cada visão e confere a essência do sentido de cada proclamação.” (L. H. Hough, The Revelation of St. John the Divine, p. 366). É Ele que se dirige às 7 igrejas, que abre cada selo, que vence o dragão (símbolo do diabo) para que a Igreja possa triunfar sobre o mal, que derrama a ira divina sobre os ímpios, e que leva Seu povo para a glória. Nas palavras de H. M. Féret, “todo o livro é dominado pela pessoa de Jesus, e qualquer outro ensino é ligado a Ele como um raio ao seu luminoso foco.” (O Apocalipse de São João, Visão Cristã da História, pág. 61).
            3. A narrativa profética começa com uma visão gloriosa do Filho do homem (1:9-20), e é desenvolvida rumo ao ponto culminante: a restauração definitiva de tudo o que o pecado pôs a perder. A consumação de todas as coisas ocorrerá com a gloriosa revelação final e universal do Filho de Deus. Se a presença contínua de Jesus com a Igreja peregrina é assegurada ao vidente de Patmos na primeira visão e confirmada a seguir, na visão final o propósito último do evangelho -- a plena integração do homem na comunhão divina -- é definitivamente alcançado. A revelação final de Jesus introduz o tempo quando será possível dizer: “Eis o tabernáculo de Deus com os homens, Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus e Deus mesmo estará com eles.” (21:3).