terça-feira, 9 de julho de 2013

A Precisão Histórica do Livro de Daniel - parte 2

Tema 16

A Precisão histórica do
livro de Daniel - parte 2

Dr. José Carlos Ramos
Julho de 2013

            Continuo abordando a precisão histórica do livro de Daniel, agora com a análise de mais três referências consideradas inexatas pela alta-crítica: o conteúdo de Daniel 4, que narra a distúrbio mental de Nabucodosor na parte final do seu reinado, a identidade de Belsazar, o último rei de Babilônia de acordo com Daniel 5, e a relação desse rei com Nabucodonosor, referida também em Daniel 5. A exemplo das que vimos na consideração anterior, estes lances históricos, ao contrário do que pensam os liberais, igualmente não conspiram contra a genuinidade do livro, mas a sustentam.
           
A Doença de Nabucodonosor

            Segundo a crítica o conteúdo de Daniel 4 é pura ficção, já que a História não faz qualquer referência a uma enfermidade do rei nos termos desse capítulo. É considerado que esse fato põe em dúvida o valor histórico do livro e consequentemente a hipótese de sua composição no sexto século a.C..
            Antes de tudo deveria a alta-crítica explicar com que propósito um judeu do segundo século a.C. inventaria uma doença para Nabucodonosor, rei de um império que já havia passado, e que, portanto, nenhuma influência exercia então.
            Novamente o argumento do silêncio aqui evocado é inexpressivo. Inicialmente, deve-se notar que as informações históricas dos últimos trinta anos do reinado de Nabucodonosor não são satisfatórias. Algumas de suas campanhas, por exemplo, são simplesmente ignoradas. É reconhecido também que eventos desagradáveis ocorridos com grandes reis do passado dificilmente ficavam registrados para conhecimento de gerações futuras.
            É verdade que o conteúdo de Daniel 4 é registrado na forma de uma proclamação real da autoria do próprio Nabucodonosor, a qual, nesse caso, teria sido perpetuada pelo profeta. Sua edição original, todavia, poderia ter sido destruída logo após a morte do monarca. Em Daniel 5, Belsazar, o novo rei de Babilônia, é repreendido pelo profeta por não ter dada a devida consideração ao que ocorrera com Nabucodonosor (vv. 18-23). Isso indica que elementos do palácio não estavam dispostos a conservar aquilo que poderia deslustrar a brilhante carreira de um dos maiores monarcas de Babilônia. E pode também ocorrer que algo pertinente àquela proclamação esteja perdido entre as ruínas da antiga cidade, e venha algum dia a ser achado.
            Para alguns isto já teria acontecido. A descoberta relativamente recente do tablete BM 34113 (sp 213), publicado por A. K. Grayson em 1975, dá conta que em determinado tempo de seu reinado, Nabucodonosor agiu de forma bastante estranha, dando ordens contraditórias, ignorando os conselheiros e a própria família, e demonstrando tal incapacidade administrativa que Evil-Merodaque, seu filho mais velho, teria sido aconselhado a assumir as responsabilidades do governo. Não poderia isto ser decorrente de um abalo mental?
            Este tablete então confirmaria uma antiga tradição referida pelo historiador Eusébio, com base num texto de Abidemo (segundo século a.C.), que por sua vez cita Magástenes (300 a.C.), dando conta de que, próximo ao fim do seu reinado, Nabucodonosor se viu possesso de um deus e profetizou a conquista de Babilônia por Ciro, desaparecendo em seguida (Præparatio Evangelica, 9, 41). Sabe-se que naqueles tempos um homem louco era reputado como possuído por espíritos.
            Esta referência indica no mínimo que havia no tempo de Abidemo uma tradição entre os babilônicos de que algo fora do normal teria ocorrido com Nabucodonosor no final de sua vida. Igualmente Flávio Josefo, com base no historiador Beroso (quarto século a.C.), fala da doença de Nabucodonosor em seus derradeiros anos (Contra Apion, I, 20).
                Uma hipótese, sustentada por alguns, afirma que Daniel 4 é uma versão corrompida da enfermidade que se abateu sobre o rei Nabonido quando se encontrava em Tema, conforme registrada num documento conhecido como a oração de Nabonido, descoberto numa das cavernas de Qumran, na Palestina. Mas essa hipótese é insustentável, face às dessemelhanças entre os relatos, as quais envolvem o nome do rei, o local em que se encontrava ao ficar doente, e à própria natureza da doença, mental no caso de Nabucodonosor, e física no caso de Nabonido.

A Identidade de Belsazar

            As fontes históricas gregas informam que o último rei de Babilônia foi Nabonido e não Belsazar, como afirma Daniel 5.
            Esta era uma objeção apresentada com alguma força pela crítica até o século dezenove. Hoje, as descobertas de determinados documentos arqueológicos comprovam que a verdade esteve sempre do lado da Bíblia, e a figura de Belsazar como co-regente nos anos finais do império babilônico não é mais seriamente questionada. Aqui um resumo desses achados:

    1. H. F. Talbot publicou em 1861 certos textos encontrados no templo da lua em Ur dos caldeus. Nele aparece uma oração de Nabonido em favor de seu filho mais velho, Bel-Shar-Usur, que tem sido identificado como Belsazar.
    2. T. G. Pinches, em 1882 publicou a Crônica de Nabonido, descoberta no ano anterior, onde é mencionada a conquista de Babilônia por Ciro. É também afirmado que o filho de Nabonido estava em Babilônia nessa ocasião.
    3. Novos textos foram descobertos e publicados nos anos seguintes dando conta das diversas funções e posições de Belsazar antes e durante o reinado do pai.
    4. T. G. Pinches publicou em 1916 outro texto onde aparecem Nabonido e Bel-Shar-Usur conjuntamente invocados num juramento. Isso seria uma evidência da co-regência de Bel-Shar-Usur.
    5. Sidney Smith publicou em 1924 o Relatório em Verso de Nabonido, onde este rei afirma ter confiado a direção do reino ao filho mais velho, no terceiro ano. Belsazar seria então o segundo rei, ou co-regente. Nabonido estava conquistando Tema na Arábia.
     6. Raymond P. Dougherty publicou em 1929 uma monografia reunindo as diversas inscrições cuneiformes descobertas a partir do fim do século dezenove. Nesse trabalho, ele chega à seguinte conclusão: Nabonido seria filho do príncipe de Haran, Nabu-Balatsu-Iqbi, e da sacerdotisa do templo da lua em Haran. Quando os medos e babilônicos capturaram Haran em 610 a.C., a mãe de Nabonido foi levada para o harém de Nabucodonosor. Nabonido, portanto, cresceu ao lado do rei. Em 585 a.C., segundo Heródoto, ele teria atuado como mediador de paz entre os lídios e os persas, o que o revela um favorito de Nabucodonosor.

            Ainda segundo Heródoto, a esposa de Nabonido foi Nitócris, uma mulher sábia e prudente, tal como transparece em Daniel 5:10-12. Parece que ela era filha de uma princesa egípcia, pertencente ao harém de Nabucodonosor. Nesse caso, Belsazar era neto de Nabucodonosor, e Nabonido genro, além de, possivelmente, filho adotivo.
                Resumindo, a história clássica aponta Nabonido como o último rei de Babilônia, enquanto Daniel nos fala de Belsazar. Ambas as fontes estão corretas. Por anos a crítica se levantou contra a autenticidade deste livro, imaginando que haveria uma disparidade aqui. Agora sabemos, pelos achados arqueológicos, do filho de Nabonido, Bel-Shar-Usur, co-regente com o pai, pois este se encontrava no Líbano numa campanha contra Tema. Essa é a razão porque ao Belsazar pedir a Daniel que lhe interpretasse a escrita na parede, prometeu-lhe a terceira posição no reino (Dn 5:16). A primeira pertencia a Nabonido e a segunda era do próprio Belsazar.

                 O Relacionamento de Belsazar com Nabucodonosor

            Uma comparação dos textos babilônicos com as informações históricas de Heródoto levam à conclusão de que Belsazar era neto de Nabucodonosor e não filho como o livro de Daniel afirma (ver 5:2, 11, 18 e 22).
            Para esta aparente dificuldade, basta lembrarmos de que a Bíblia às vezes considera pai um antepassado, ou especificamente o avô (ver Js 7:18, 24 por exemplo). O termo para pai tanto no hebraico como no aramaico é ’ab, que também significa avô e ancestral (Gn 28:13; 32:9; Êx 10:6; 1Rs 15:11). Este certamente é o caso no que respeita ao relacionamento de Belsazar com Nabucodonosor.
            Estas informações colhidas da história clássica e substanciadas por documentação da época, provida pelos achados arqueológicos atuais, confirmam a precisão histórica do livro de Daniel. Em minha próxima consideração reforçarei esse fato, analisando o problema da identidade do rei Dario, da linhagem dos medos, referido em Daniel 5:31, 9:11, 11:1 e em todo o capítulo 6, outra suposta dificuldade histórica do livro segundo os que preconizam os conceitos do alto criticismo.

Um comentário:

  1. Meu amigo Pr Ramos.
    Ótimo seu comentário.
    Uma coisa me chama a atenção sobre o que eu entendo sobre a genealogia da família de Nabucodonosor, relatada em Jeremias 27:6 e 7.
    Deus entregou Israel e suas posses ao "Seu servo" Nabucodonosor para disciplinar Seu povo conforme a profecia assim prescreveu para o curso da história.(verso 6).
    No verso 7, o texto nomeia os bois na ordem Nabucodonosor (pai), Nabonido (filho), e certamente Belsasar (filho de seu filho), logo, neto não é mesmo? Creio que só este texto já seria suficiente para colocar a faca na garganta dos incautos e indolentes oponentes, que apenas estudam superficialmente, e que por isto preferam acreditar no "selft service" que os inimigos de Deus espalham há tanto tempo.

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